Fomos
deixados pela mãe da Teresa em um local de boa visibilidade e
acesso, ou seja, um local perfeito para caronas. Não demorou e parou
um carro trazendo um rapaz muito jovial e seu tímido filho. Demorou
dias até colocarmos nossas malas enormes no bagageiro que estava
abarrotado de brinquedos do filho, tinha bicicleta, patinete, bola de
futebol e centenas de outras coisas. Isso levou-nos a refletir sobre
o impacto de uma infância abastada, sobre como crianças que têm
tudo passam a valorizar cada vez menos as pequenas coisas da vida e o
mesmo serve para os adultos, mas com brinquedos maiores e mais caros.
Era particularmente interessante o contraste que aquela dupla dentro
do carro tinha para com aquela dupla que pedia caronas e que
carregavam tudo o que tinham em suas costas.
Lagos
é uma cidade que fica bastante agitada durante os dias de Verão,
veem-se muitos tipos diferentes de turista sendo o mais predominante
o de pessoas mais velhas e suas famílias. As ruas ficam praticamente
desertas durante a tarde e se enchem à noite quando suas lindíssimas
praias se esvaziam.
O
número de pessoas é proporcional ao número de artistas de rua que
encontramos. Só descobrimos isso, claro, depois de tocar por algumas
boas horas e com pouquíssimo sucesso. Mais tarde foram mais pessoas,
porém, entre tantos outros artistas, as pessoas prestam muito pouca
atenção. A coisa só começou a melhorar quando incluímos um
cartaz dizendo: “33 países visitados, faltam 20”, uma ideia que
eu já havia tido em Lisboa.
O
cartaz dá às pessoas um vislumbre daquilo que planejamos, mostra
que não somos apenas mais uma dupla de músicos de rua que utiliza a
música como um meio de sobrevivência, mas uma dupla de músicos
viajantes cuja música é parte de um sonho. Nosso sucesso triplicou
desta forma.
De
Lagos fomos para Albufeira, uma cidade que serve de exemplo de como o
turismo é danoso para a identidade de um local. É um local onde
tudo é falso, tudo é feito para chamar a atenção de um turista
ingênuo e consumista, que sai de lá sem ter a menor ideia do que é
Portugal. Eles também nos adoraram, multidões juntavam-se para nos
ouvir e deixar suas moedas. Ainda que não sejamos portugueses (eu
sou brasileiro, a Teresa alemã), nós somos o que havia de mais
português nas ruas de Albufeira com nossas músicas.
Não
demorou e a polícia apareceu perguntando-nos sobre a licença que
solicitamos uma semana antes e, até o momento (já fazem 2 meses),
não recebemos qualquer resposta. Conclusão: tivemos que guardar as
coisas e procurar acampamento mais cedo.
No
dia seguinte fomos para Tavira, uma cidade muito mais agradável e
interessante que, mesmo cheia de turistas, ainda nos permitia sentir
que estávamos em Portugal.
Foi
muito mais prazeroso tocar ali do que nas outras cidades. Mais
pessoas paravam e tomavam o seu tempo para apreciar o nosso trabalho,
e este retorno é muito mais valioso para nós do que o retorno
financeiro.
A
segunda noite em Tavira foi mais calma, em primeiro lugar porque era
domingo, em segundo porque havia um outro músico, de guitarra e voz.
Ele até que era bom, mas demonstrava muita timidez, parecia que
estava tocando para si próprio ignorando aqueles que o ouviam. De
qualquer forma esses dois fatores influenciaram muito o retorno
financeiro da noite.
O
local onde acampamos, por pura coincidência, era bem próximo à
estrada que queríamos tomar no dia seguinte com destino a Lagos.
Escolhemos esta cidade por pura preguiça de pensar em outra que
ficasse no caminho para Grândola.
A
cidade estava cheia como sempre, mas desta vez havia mais artistas de
rua, o que nos dificultou encontrar algum lugar bom. Ficamos com o
menos pior e tivemos resultados inexpressivos. O nosso lugar favorito
das noites anteriores estava ocupado por um grupo de malabaristas
inexperientes que utilizavam música para chamar a atenção que não
conseguiam com o malabarismo.
Frustrados
com os resultados que tivemos, decidimos pegar as nossas coisas e ir
enfrentar os malabaristas, começamos a tocar, as pessoas começaram
a gostar, foi um sucesso absoluto. Em determinado momento, um dos
malabaristas veio nos parabenizar e se ofereceu para fazer alguns
malabarismos enquanto tocávamos. Ele queria, na verdade, fazer a
amizade necessária para o seu próximo passo, pedir permissão para
o seu número, de repente nos tornamos os reis da rua.
No
dia seguinte voltamos à Grândola para mais alguns dias de folga com
a família da Teresa, uma segunda despedida para o que estava por
vir, a nossa saída definitiva para a Ásia, mais nos próximos
posts.