Primeira coisa que vi quando cheguei na Palestina
A aventura começou na carona que pegamos ainda em Jerusalém com destino a Ramallah, eram dois rapazes palestinos que desviaram muito do caminho para nos levar até o posto de checagem que separa a fronteira entre os dois países.
Bem, países é modo de dizer, a Palestina ainda não é um país reconhecido. O rolo é complicado e antigo. Começou em 1948 com a decisão da ONU na criação de dois estados, Israel e Palestina, a decisão foi atendida pela metade apenas, criou-se Israel, mas não o Estado palestino, o qual foi ocupado e diminuindo pouco a pouco sendo hoje muito, muito menor do que o inicialmente previsto, além do fato, é claro, que a autonomia palestina ainda não foi reconhecida.
A passagem pelo posto de fronteira foi bastante tranquila, só haveria problemas no caminho de volta, afinal, ninguém liga quem entra na Palestina, mas palestinos não podem ir a Jerusalém, ou a qualquer parte do território de Israel, sem uma permissão especial que precisa ser renovada mensalmente. Além disso, é necessário passar por um sistema de segurança parecido com aquele que vemos em aeroportos, e as filas podem levar muitas horas, um problema que aqueles que trabalham em Jerusalém precisam enfrentar diariamente.
O muro da vergonha (do Google Images)
Sair de Israel e chegar à Palestina é muito mais do que andar alguns quarteirões. A diferença é muito marcante, começa na forma como as pessoas nos olham e nos tratam. Já de cara nos foi oferecida ajuda, nos colocaram no ônibus que iria ao centro de Ramallah, nos emprestaram o telefone para ligar ao nosso contato do CouchSurfing.
Encontramos o Emad, um repórter de 30 anos que retornou a não muito tempo da Algéria onde estudava. Inicialmente nos levou a uma partida de Street Hockey que rolava ali perto e contava com um grupo bastante heterogêneo de pessoas de vários países, a maioria repórteres e estudantes. Os palestinos que lá estavam eram em sua maioria militantes para a independência da Palestina, de um deles ganhei um adesivo escrito "State of Palestine", colei-o imediatamente em meu computador.
Na casa do Emad, conhecemos a mãe e o cunhado do Emad, um médico que trabalha em uma organização humanitária na faixa de Gaza, conversando com ele, por pouco não acabei indo para Gaza trabalhar como voluntário, só não o fiz pois para a entrada é necessário um visto especial que não parece muito simples de conseguir. Com ele, ouvi bastante sobre a situação precária que se vive em Gaza, e que se não fossem os voluntários e pessoas fazendo o trabalho que ele faz, as coisas seriam muito piores.
De um dos colegas de apartamento do Emad, ouvi a história de um garoto de 11 anos que fora preso por atirar uma pedra em um soldado israelense. A pena, segundo ele, foi de dez anos. Dez anos por causa de uma pedra, pode até parecer exagero, mas dada as circunstâncias que vi, acho bem possível.
Crianças tirando uma com o soldado israelense (do Google Images)
Naquela mesma noite fomos tomar algumas cervejas e acabamos convidados a uma festa particular com um artista e político que tinha boa lábia e militava pela independência palestina, o problema é que, a meu ver, ele exagerava muito ao afirmar, por exemplo, que havia palestinos infiltrados em todos os governos e que em breve eles dominariam o mundo, coisas do tipo.
Alguns dias depois, fui às cidades de Bethlehem, conhecida no Brasil como Belém, e fui claro, à igreja construída no local onde supostamente Jesus teria nascido. A cidade era forrada de turistas em todos os lugares e havia uma fila enorme para entrar e tocar no monumento posto no local "exato" onde Jesus nascera.
Fui também, no mesmo dia, à cidade de Hebron, local onde há um assentamento judaico no meio de uma cidade palestina. É um lugar muito triste, pois demonstra claramente a o uso da força utilizado por israelenses para ocupar, ilegalmente de acordo com a ONU, uma cidade palestina. Isso me fez questionar que tipo de pessoa deixa o conforto de uma cidade como Jerusalém ou Tel Aviv para morar em meio ao território "inimigo" e viver sob constante estado de stress e vigilância de soldados israelenses.
Bloqueio separando o lado Palestino do Israelense.
Eu seguiria viagem para o Egito e a Mariana decidiu ficar por lá. A nossa relação havia se deteriorado muito desde que saímos de Jerusalém e mal nos falamos durante todo o tempo que passamos na Palestina. Sinceramente me senti aliviado ao saber que continuaria a viagem sozinho, viajar com ela naquele momento estava sendo muito mais um fardo do que prazeroso.
Fui até Jerusalém, onde precisava enviar alguns itens religiosos ao meu tio no Brasil por correio, foi quase uma hora para passar no controle de fronteira e quando me preparava para entrar na cidade antiga, fui abordado por um policial, que em Jerusalém sempre andam acompanhados por um soldado carregando um fuzil.
O policial perguntava o básico: Tem armas?. Não. Maconha? Não. Cigarro? Não. Tem uma faca?... Sim tenho.
Pronto, percebi nesse momento que teria problemas. Se eu dissesse que não, talvez ele me liberasse e pronto, mas se resolvesse revistar minha mala e encontrasse uma faca, que utilizo em acampamento, eu teria muito mais problemas. A faca era ridiculamente pequena, mas israelenses são totalmente neuróticos e aquela faquinha representava um risco para o Estado de direito e, por isso, acabei sendo levado à delegacia para prestar esclarecimentos.
No final acabei perdendo várias horas na delegacia e acabei sendo liberado. Na saída, o segurança da entrada era brasileiro do Pará, e quando disse que eu teria que ficar em Jerusalém naquela noite pois perdi o ônibus para o Egito, ele disse que eu deveria tomar cuidado? "Não é porque sou judeu não, mas esses árabes são perigosos". Deu vontade de questioná-lo quantos árabes ele havia conhecido que não estavam na mira de sua arma? Eu estava havia mais de um mês convivendo com árabes e podia afirmar com absoluta certeza que há poucos povos mais generosos e gentis do que os árabes. Em poucos países pode-se andar por ruas escuras com tanta segurança quanto em países árabes, que apresentam em muitos casos, índices de criminalidade semelhantes a países de primeiro mundo. E sim, ele estava falando aquilo só porque era Judeu e ouvia todo tipo de bobagens sobre árabes desde que nasceu.
Bem, passei a noite em um hostel, de um árabe, e desnecessário dizer que foi tudo bem. No dia seguinte, finalizado o envio dos materiais para o Brasil, segui viagem para o Egito. A primeira parada teria de ser Eilat que era uma viagem relativamente longa e com poucas opções de horários. Conclusão: cheguei lá tarde da noite e precisei passar uma noite por lá também. Segui para a fronteira no dia seguinte.
Parece estúpido o sistema que eu tinha que fazer: voltar à Jordânia e de lá pegar uma balsa para o Egito sendo que há uma fronteira entre o Egito e Israel, porém essa era a melhor forma de evitar problemas futuros.
Uma visita a Israel, faz com que sejamos proibidos de entrar em diversos países árabes. Mesmo sem o carimbo de Israel no passaporte, é possível descobrir que se esteve lá pela falta de carimbos de saída de países vizinhos, como era o caso da Jordânia. Assim, o sistema seria: Sair da Jordânia sem carimbo, entrar e sair de Israel sem carimbo, voltar para a Jordânia sem carimbo e então, pegar o carimbo no passaporte quando sair da Jordânia para o Egito, assim, eu teria apenas um carimbo de entrada e um carimbo de saída para o Egito, sendo assim impossível saber que estive em Israel.
Na fronteira conheci um casal de senhores que estavam tendo problemas com a língua. Eles não falavam inglês e estavam apanhando muito para viajar naquelas condições. Ajudei-os traduzindo o que os oficiais de fronteira diziam e no final ajudei a negociar o preço do taxi.
Na fronteira da Jordânia existem vários taxistas e um "gerente", encarregado de negociar valores. Eu já imaginava que o preço seria astronômico e eu estava disposto a negociá-lo para os meus hermanos argentinos. O problema é que o cara não queria negociar e começou a gritar quando eu falava que aquele preço não era justo. Por fim, o casal que queria ir para Petra, uma viagem de uns 200 km e que poderia custar uns 50€, estava sendo cobrada 80€. Assim o casal se convenceu a ir à rodoviária pegar um ônibus e pagar menos de 15€ mais 10€ do táxi (que seriam 4€ sem a máfia). O cara ficou puto, mas não tinha o que fazer. No táxi, o taxista era muito mais flexível e acabou concordando em levar o casal por 40€, desta forma o casal concordou e seguiram viagem para Petra e todos ficaram felizes no final, deixaram-me na empresa que de balsas para o Egito.
De lá, fiquei sabendo que haveria uma balsa naquele dia às duas horas e que eu teria que comprar o bilhete em outro lugar. Encontrei um motorista que me levaria até lá por 4€, um preço bastante justo. Comprei o bilhete e perguntei o horário da balsa, ele perguntou em árabe e voltou dizendo que tínhamos que nos apressar. Cheguei lá, correndo e descobri que a balsa sairia apenas à 1 da manhã. O cara sabia disso, mas sabia também que eu não iria ao porto para ficar lá por 12 horas e ele perderia os 4€ combinados, então ele me fez seguir até o porto, ganhou o seu dinheiro, para que eu descobrisse que a viagem seria muito depois...
Acabei ficando por 12 horas no porto, pelo menos descobri um sinal de internet livre.
PS. Desculpem a demora, meu computador foi roubado (e não por um árabe) o que me levou ao atraso e também explica a falta de fotos neste post. Vou normalizar a situação o mais rápido que puder.
3 comentários:
muito legal Bruno... queria q vc tivesse escrito mais da palestina, da vida deles lá... Sarah Soares
Obrigado Sarah.
Na verdade, excetuando-se a dificuldade de locomoção, incluindo o fato de eles não poderem tirar passaporte e sair do país, os Palestinos seguem uma vida perfeitamente normal. Aqueles que precisam trabalhar em Israel, passam horas diariamente no controle de "fronteira".
É lamentável
Ola Brunoi, estou indo a Palestina esse ano e faltam algumas informações. Tenho amigos la e posso me hospedar na casa deles para economizar nos hostels, quero saber se posso programar os passeios em Jerusalém e ir e ônibus de Ramallah/Jerusalém/Ramallah npo mesmo dia? Isso é viável? Ou seja: passo o dia em Jerusalém e à noite em Ramallah (isso de transporte via rodoviária)...é possível???
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