Estava em Sortland esperando o meu grande parceiro Tom
chegar e, como isso só iria acontecer em duas semanas, achei que seria legal
tentar arrumar algum trabalho e quem sabe ganhar um dinheirinho. Segui a
sugestão do Tore e da Torhild e fui até o porto, onde sempre precisavam de mão
de obra.
Na CTG, uma das empresas que ficam por lá, entrei e
localizei o Freddy, responsável pela descarga dos navios. Na conversa, ele não
fez muitas perguntas, disse apenas para que eu voltasse mais tarde pronto para
trabalhar, o salário era o equivalente a 22€ por hora, uma fortuna se
compararmos com os 5€/h de Portugal.
Voltei às 16h, coloquei um macacão preparado para baixas
temperaturas, capacete e uma bota de segurança que tomei emprestada de um
colega romeno, essa bota possuía a parte da frente em metal, protegendo assim,
meus preciosos dedos caso alguma coisa caia sobre o meu pé.
Segui a turma para dentro do navio, descemos uns dois
andares passando por uma linha de produção. Neste barco, os peixes são pescados
no mar e processados ainda dentro do navio onde são estocados em caixas de 20
kg no porão do navio à -20°C,
e era nesse ambiente que trabalharíamos, retirando as caixas para pallets que
seriam retirados do navio. De cara eu me assustei com a quantidade de caixas, demorou
dois dias para uns 8 homens tirarem tudo.
Trabalhava comigo um cara, que me parecia africano e que era
bem devagar, eu sei que não é legal, mas era difícil não rir da burrice dele.
Não existe trabalho estúpido o suficiente para que pessoas estúpidas não o
façam mal feito.
Naquele dia, trabalhei apenas seis horas, quase nada perto
do que me esperava no dia seguinte quando trabalhei 14 horas, muito puxado, mas
considerando os ganhos, valia o esforço, cada hora trabalhada representava um
dia a mais de viagem em países como Índia ou Tailândia. Devido a exaustão do
dia anterior, peguei um dia de folga e trabalhei mais 11 horas no dia seguinte
que, interessantemente, foi muito, muito mais tranquilo, acho que meus músculos
se adaptaram às condições de trabalho extremas.
Na próxima semana, liguei para o Freddy para ter uma ideia
de quando seriam os próximos desembarques, ele disse que não havia previsão
ainda, quando perguntei sobre como seria o pagamento ele disse-me que
precisaria do cartão de impostos, só que para tirá-lo eu precisaria do contrato
de trabalho, ele disse sem problemas, eu só precisava ligar no dia seguinte que
ele resolveria esse imbróglio.
Liguei no dia seguinte, e nada de ele atender. No outro dia:
nada, muito estranho. E assim foi por semanas e semanas, a minha paciência
havia se esgotado, tentei ser legal com ele, mas aquela situação já estava
ridícula.
Foi assim que em um certo dia comecei a ligar a cada cinco
minutos até a hora que ele atendeu bastante impaciente:
– Olha, eu estou ocupado, quando for para te pagar eu te
ligo – disse o Freddy.
– Freddy – respondi calmamente – eu já estou esperando sua
ligação há mais de três semanas.
– Não é problema meu se você não tem os documentos para eu
te pagar – disse ele cinicamente.
– Como não é seu problema? Para solicitar o cartão de
impostos, preciso do contrato de trabalho que era de sua responsabilidade ter
me dado antes mesmo de eu começar a trabalhar.
– Então tá, eu ia te pagar sem precisar de documento nenhum,
mas já que você insiste, vou te fazer esse contrato, depois pra fazer o cartão
leva uns dois meses, mas isso é problema seu. Amanhã vou estar em Sortland e eu
te ligo para assinar o contrato.
Na verdade eu sabia que não demorava tanto e estava bastante
tranquilo com relação a isso, desta forma, no dia seguinte só restou esperar,
esperar e nada de ele ligar, que saco, vamos começar tudo de novo. Comecei a
ligar novamente a cada cinco minutos e nada.
No dia seguinte, resolvi ir até a empresa que eu tinha
trabalhado, encontrei um dos operadores de empilhadeira e fiquei sabendo que no
dia seguinte eu poderia encontrar o Freddy, pois haveria um desembarque. Dito e
feito, cheguei no dia seguinte e encontrei o Freddy com sua característica cara
cínica.
– O que você está fazendo aqui? – disse ele, já meio
agressivo.
– Vim saber como é que vou ser pago – respondi tentando
manter a calma.
– Cadê o seu cartão de imposto? – como pode ser tão cínico?
– Como assim cadê o cartão, você sabe que para tirá-lo eu
preciso do contrato que você disse que ia me dar.
– Sinto muito não posso te dar nenhum contrato agora, pois
isso vai significar que eu ainda quero você trabalhando comigo, mas você é
muito chato – e tenta segurar a vontade de pular no pescoço desse FDP.
– Esse contrato você deveria ter me dado antes de começar a
trabalhar, era sua obrigação.
– Aquilo era uma experiência, mas você bagunçou tudo.
– OK, se você não quer me dar esse contrato eu serei
obrigado a entrar em contato com a Fiscalização Trabalhista para ver o que eles
acham disso – na Noruega, os fiscais de trabalho podem fazer a vida do
empregador um inferno, mesmo que tudo esteja certo o que não era o caso. Bom
daí ele começou a gritar:
– Se você não der o fora daqui imediatamente eu vou chamar a
polícia.
– Ótimo, pode chamar, estou curioso para saber o que você
vai dizer a eles.
– Que você não pode ficar na Noruega sem documentos.
Foi aí que percebi que o plano dele nunca foi de me pagar,
ele achava que eu era um imigrante ilegal e obviamente, nunca conseguiria um
cartão de impostos se fosse esse o caso, mas tinha um detalhe que eu nunca
tinha falado para ele:
– Amigão, eu sou português, eu posso morar e trabalhar aqui
o tempo que eu quiser.
Daí ele ficou putaço, me pegou pelo colarinho e me mandou
sair dali, pois estava atrapalhando o andamento do serviço. Daí eu disse:
– OK, eu vou embora, mas antes de ir, eu vou falar para as
pessoas daqui da CTG (ele era um prestador de serviços) o tipo de profissional
que você é.
– Hahaha, eu dou risada de pessoas que tentam isso, você
acha que eu estou preocupado.
Saí do depósito onde estávamos e entrei na primeira porta do
escritório e perguntei à uma das pessoas ali para saber com quem eu precisaria
falar para resolver o meu problema com o Freddy. Com isso, ainda estava na
metade do discurso o Freddy apareceu e me puxou para fora da sala, gritando
alto que eu não devia fazer aquilo etc.
Com o barulho desceu um cara do andar de cima, que fez o
Freddy se acalmar, expliquei por cima a situação do contrato, eles trocaram
algumas frases em norueguês, o Freddy abaixou a bola e me deu um papel com um
telefone (que ele já tinha escrito) dizendo para que eu ligasse e resolvesse o
problema.
Antes de sair olhei para ele e perguntei:
– Precisava de tudo isso para algo tão simples?
Liguei para o telefone, uma mulher atendeu, passei meus
dados, 10 minutos depois encontrei o Freddy novamente para assinar o contrato,
no qual ele me fez assinar sem dizer nenhuma palavra. Peguei o contrato, fui à
central de impostos.
Uma semana depois o cartão chegou, falei com a mulher e fui
pago no mesmo dia.
Com relação ao Freddy, nunca mais o vi, mas ele terá uma
surpresa quando os fiscais trabalhistas aparecerem por lá. Bwahahaha!